Zanele Muholi

Zanele Muholi, Bester VII, Newington, London, 2017. Mural fotográfico. Ed. 2/2. Col. Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto. Aquisição em 2024
Zanele Muholi, ativista visual e artista da África do Sul, retrata nas suas obras as vidas e experiências de pessoas negras LGBTQIA+ (Lésbica, Gay, Bissexual, Transgénero, Queer, Intersexo, Agénero, Assexual), tanto no seu país natal como em várias partes do mundo. Através da fotografia, e ao longo de vários anos, Muholi tem-se dedicado a dar visibilidade a comunidades frequentemente sub-representadas ou mal compreendidas, revelando as injustiças sociais e políticas a que estão sujeitas. Com uma obra que não deixa ninguém indiferente, é, sem dúvida, uma das figuras mais admiradas da atualidade, tendo participado em inúmeras exposições individuais e coletivas, incluindo bienais de prestígio como as de Veneza e Sidney. Ao colocar as vivências e as lutas das comunidades negras e LGBTQIA+ no centro da sua prática artística, Muholi transcende o simples registo visual ou documental — na realidade, a sua obra questiona, inspira e reivindica o espaço que estas comunidades merecem no panorama global da arte e da sociedade. Além de retratar histórias de luta e resiliência, Muholi serve-se da câmara para criar autorretratos que exploram questões de raça e a força do olhar negro, entre os quais se destaca a célebre série Somnyama Ngonyama (Viva a Leoa Negra), que catapultou a sua obra para o reconhecimento internacional.
A exposição, organizada cronologicamente e estruturada em núcleos temáticos, acompanha o percurso de Muholi desde que começou a sua atuação como ativista, no início de 2000, até à atualidade. Com mais de 200 fotografias, representa a maior retrospetiva da sua trajetória até ao momento e assinala a primeira grande apresentação da sua obra em Portugal. Além de oferecer uma visão abrangente da prática de Muholi, a exposição revisita momentos marcantes da história da África do Sul, desde os anos sombrios do apartheid até à luta contínua pela igualdade e pelos direitos humanos. Em Portugal, onde o legado colonial continua profundamente enraizado na sociedade, esta mostra oferece uma oportunidade única para uma reflexão crítica sobre as implicações históricas e culturais da discriminação e opressão, enquanto nos lembra da urgência de debater questões como a identidade de género e cultural, a memória e a justiça social.
Muholi nasceu em 1972 e cresceu sob o regime do apartheid, um sistema político e social de segregação racial que garantiu o domínio da minoria branca sobre a maioria negra. Formalmente institucionalizado em 1948 pelo Partido Nacional, além de impor a segregação racial, este regime perpetuava discriminações de género e orientação sexual. Embora o apartheid tenha terminado oficialmente em 1994, com a transição democrática liderada por Nelson Mandela, e a Constituição de 1996 tenha sido um passo significativo ao proibir a discriminação baseada na orientação sexual, a comunidade LGBTQIA+ sul-africana continua a ser vítima de preconceito, crimes de ódio e violência de forma reiterada.
A obra de Muholi expõe as injustiças estruturais e históricas, celebrando simultaneamente a coragem, a alegria e a resiliência das comunidades que retrata. As suas imagens captam momentos de intimidade e os laços de união e solidariedade que caracterizam estas pessoas na sua luta conjunta. Em 2020, estendeu a sua prática artística à escultura — realizando algumas obras de grande escala, em bronze —, através da qual explora novas relações, nomeadamente entre o espaço público e privado.
Esta exposição, organizada pela Tate Modern, foi apresentada em prestigiadas instituições como o Gropius Bau, em Berlim; o Bildmuseet, em Umeå; o Institut Valencià d’Art Modern, em Valência; e a Maison Européenne de la Photographie, em Paris. Agora, encerra a sua itinerância no Museu de Serralves. A sua adaptação ao museu do Porto, que, refira-se, inclui uma seleção de novas fotografias, esteve a cargo de Inês Grosso, curadora-chefe, e de Filipa Loureiro, curadora, e contou ainda com a colaboração do atelier de arquitetura Ventura Trindade e a coordenação de Giovana Gabriel. A exposição será acompanhada por um ciclo de conversas, a anunciar em breve no site do museu, ampliando a reflexão sobre a sua obra e os ecos que ela encontra no contexto nacional. Com este propósito, o Museu de Serralves está ainda a colaborar com instituições locais, como a ILGA e a Casa Odara, no desenvolvimento dos programas públicos da exposição.
Por último, é importante referir que, em 2023, o Museu de Serralves adquiriu um dos murais fotográficos de Muholi, apresentado pela primeira vez na inauguração da Ala Álvaro Siza. Esta aquisição, mais do que um acréscimo ao acervo, reflete o compromisso do museu não apenas com a sua obra, que se insere de forma coerente na programação da instituição nos últimos anos, mas também com as questões sociais e culturais que ela aborda. Zanele Muholi é uma voz incontornável na arte contemporânea e no ativismo social. A sua obra combate de forma ativa o preconceito e a discriminação e convida-nos a refletir sobre a urgência de uma sociedade mais inclusiva e equitativa. Esperamos que esta exposição também inspire novas perspetivas e diálogos necessários em matéria de igualdade, resistência e humanidade.